13 dicas para fazer negócios e trabalhar com chineses

Com a crescente aproximação econômica entra o Brasil e a China, é cada vez mais comum a construção de relações econômicas ou de trabalho entre chineses e brasileiros. As diferenças culturais podem dar margem a mal-entendidos de diversas naturezas. Muitas vezes esses problemas são causados por barreiras fáceis de contornar, mas que podem causar atrito desnecessários na hora de fechar o negócio ou na convivência no ambiente de trabalho.

Resumi algumas técnicas para evitar esses conflitos que desenvolvi ao longo dos mais de 8 anos de convivência com colegas chineses. Espero que seja útil para você:

A importância dos prazos 


Embora muitas vezes pareçam distraídos aos nossos olhos, os chineses são muito atentos aos detalhes, mesmo aqueles de menor importância. No Brasil, é comum que prazos de tarefas banais sejam colocados de lado em prol de assuntos mais urgentes, assim damos mais atenção ao que realmente faz a diferença. No entanto, para os chineses, o cumprimento dos prazos combinados, independentemente da natureza da tarefa, é uma espécie de teste da sua confiabilidade como colega ou parceiro comercial, um tipo de símbolo que vai delinear a quantidade de confiança que pode ser depositada em você.

Mesmo que esteja focado resolvendo um problema seríssimo na empresa, se você se comprometeu com seu chefe chinês a comprar canetas novas para o escritório até segunda-feira, dê o seu máximo para finalizar a tarefa. Mesmo que não pareça e realmente não seja importante.

Conteste prazos que você não possa cumprir

Não fique com medo de dizer não. Há um ditado na China que se diz 说到做到 (Shuō dào zuò dào), que se pode traduzir mais ou menos como "falou, fez", ou seja, aquilo que você fala você tem que fazer. É muito melhor um pequeno atrito na hora definir os prazos que um grande abalo na confiança depois do descumprimento do que foi estabelecido. Pesquise as informações com antecedência e explique por A + B o porquê você precisa de mais tempo. Explique bem o seu ponto de vista e poupe-se de muito estresse desnecessário.

Aceitou a deadline e surgiu um imprevisto? Explique antes que o tempo termine.

Não deixe que o prazo termine para que seus colegas e parceiros descubram por conta própria que você não finalizou o trabalho. Dependendo do caso, já seria uma falta grave numa empresa puramente brasileira, mas é preciso lembrar, como disse acima, que o prazo, para os chineses, tem uma espécie de importância simbólica. Do ponto de vista do brasileiro, há uma espécie de culto mórbido dos prazos, não importando o seu objeto. Portanto, informe com antecedência o descumprimento de um prazo, de modo a mostrar que você está atento e reconhece a sua importância.

Time is money

Se você está em negociação com um chinês, seja rápido! Não é raro que a velocidade seja tão ou mais importante que outros quesitos, como quantidade e qualidade. Os chineses têm inclinação a fechar negócio com aquele que entrega o pedido mais rápido. A razão é simples: tempo é dinheiro. O jeito chinês de fazer negócio é muito matemático, cada dia perdido é um dia a mais para os concorrentes e um dia a menos de lucro. Nessa questão, tome cuidado com as questões legais e de compliance, liste as normas e as traduza para o chinês, pois os tomadores de decisão das empresas e organizações chinesas muitas vezes não dominam uma língua estrangeira.

Polidez e educação na China



Imagine que você está visitando uma família pobre de uma pequena cidade do interior do Brasil. Felizes com a sua visita, a família convida você para tomar um café com biscoitos. Impressionados com a elegância do visitante da cidade, a família tenta dar uma polida no vocabulário, mas acabam se expressando de maneiras que seriam consideradas impróprias no seu ambiente de origem. A família usa muito o imperativo e conversam, sem muito pudor, sobre assuntos que causam certo mal-estar em um guri de apartamento, como diríamos no sul.

Falta educação ou polidez a essa família? Com certeza falta a polidez usual na cidade, mas a "educação" com que receberam você na sua casa, oferecendo um café com biscoitos e esforçando-se para adequarem o seu vocabulário ao seu mostra que são pessoas de alta moralidade. Esse exemplo, apesar de talvez não expor exatamente os significados clássicos das palavras "educação" e "polidez", serve para fazer uma diferenciação importante quando lidamos com estrangeiros, especialmente com orientais em geral: a polidez refere-se a modos de falar e gesticular, já a educação, na história acima, expressa-se nas ações e nas suas intenções.

Você poderia fazer tal coisa?

O mandarim é uma língua sem conjugação verbal. Mesmo que aprenda um idioma estrangeiro, o chinês terá dificuldades em utilizar conjugações verbais consideradas mais polidas, como "você poderia me ajudar a fazer isso?". Muitas vezes acabamos interpretando um pedido como uma ordem por não estarmos acostumados com essa maneira de falar. Com nosso sangue latino fervendo, pode ser que até venhamos a interpretar um pedido como uma afronta. Quando isso acontecer, reflita sobre a situação e lembre-se de que a maneira pela qual o chinês se comunica expressa símbolos muito diversos dos que estamos acostumados.

Essa questão de polidez nos pedidos acaba causando outro mal-entendido, que é a pressão que sentimos para aceitar prazos que não concordamos. Nós, brasileiros, interpretamos uma fala imperativa como uma ordem que não dá margem para discussão, o que às vezes nos faz aceitar tarefas ou prazos absurdos. Não podemos ser muito sensíveis quanto ao tom do pedido. É preciso sempre contestar prazos que não conseguimos cumprir. A contestação não causará o mal-estar que imaginamos, pois o tom do pedido não é aquele que imaginamos: o chinês pede com tom de ordem, mas ele tem como certo de que você dará o seu contraponto caso tenha um. Isso se deve ao modo de comunicação dos chineses e também à própria estrutura de sua língua.

Educação dos chineses

Quem já foi à China e não se limitou às partes turísticas, entendeu muito bem o que eu disse acima a respeito da polidez e da educação. Os chineses costumam receber muito bem os estrangeiros, sempre dispostos a mostrar o que a China tem de melhor (desconsidere as zonas turísticas, pois lá, como em todo país, está cheio de gente especialista em tirar dinheiro de estrangeiros. Misture-se ao povão mesmo e verá o que estou dizendo).

Agradecer é frescura de desconhecidos

Quando comecei a trabalhar com chineses, sentia-me frustrado quando conversava com um ao telefone. A ligação era pá-pum e o telefone já desligava quando eu estava me preparando para dizer "tchau". O brasileiro é um povo muito caloroso e amoroso: expressamos nossos sentimentos com abraços, beijos e até como um tchauzinho que demora mais que a própria conversa. Os orientais, incluindo aí os chineses, costumam ter códigos de polidez que soam gelados em comparação ao calor do nosso sangue latino. Não interprete mal, a falta de um "xiexie" não significa que o seu amigo chinês não gosta de você. Bem, ele pode não gostar mesmo, mas não vai ser por causa desse detalhe.

Na cultura chinesa, os códigos sociais de agradecimento e reverências podem indicar distanciamento e até superioridade hierárquica. Um diálogo interno pode surgir no seu amigo chinês quando defrontado com muitos agradecimentos e reverências, ele pode pensar: "Por que ele vive me agradecendo? Parece que não esperava que eu o ajudasse!". Geralmente os chineses mais jovens conhecem a maneira ocidental de agradecer, mas não espere isso de todo mundo.

Ele não vai com a minha cara




Já escutei milhares de vezes as seguintes perguntas dos meus colegas brasileiros: "Rafa, por que o chinês está brabo hoje?", ou: "Rafa, por que ele não vai com a minha cara?". Afirmo que em 90% das vezes a impressão foi falsa. Os códigos de convivência na China são muito diferentes. É, por exemplo, normal que uma pessoa esteja tão focada no trabalho que simplesmente esqueça de cumprimentar os colegas, ou que esteja com cara fechada por estar pensando na morte da bezerra.

Eu às vezes fico com imagem de "passador de pano", mas eu digo essas coisas com tanta certeza por já ter sido vítima dessas falsas impressões, causadas pelo desconhecimento da profundidade dos códigos culturais distintos. Certa vez, uma colega chinesa de uma experiência anterior, que eu jurava de pé junto que tinha zero simpatia pela minha pessoa, queria me indicar uma nova oportunidade de trabalho: "Rafa, que saudade! Como estão as coisas?". Depois de conversar com ela, percebi que a cara de poucos amigos era apenas uma fachada, e que na verdade a moça lembrava de todos os passeios e causos da empresa. Na verdade, eu é que estava sendo injusto com ela!

Raciocínio matemático e lógico




Como pode ser observado nas notas do Pisa (Program for International Student Assessment) em 2016, os países asiáticos figuram entre os melhores nos índices educacionais, especialmente na matemática. A China Continental, juntamente com as zonas de administração especial de Hong Kong e Macau, aparece nas primeiras colocações. A educação profundamente voltada para a matemática e para o raciocínio lógico, de certo modo, determina a maneira pela qual os chineses refletem sobre o mundo.

Eu acho que...

A minha experiência profissional recente tem sido focada principalmente em tecnologia, internet e fintech (financial technology), áreas em que os dados e seu escrutínio e processamento são particularmente importantes. E é exatamente nesse território que os chineses se sentem mais à vontade.

Quando estiver negociando ou reportando para chineses, lembre-se de que o raciocínio dos chineses tende a se prender mais à lógica que o nosso, de modo que os dados da subjetividade ou mesmo da experiência pessoal não-comprovável tendem a ter menos valor. Em alguns casos, podem até ser completamente desprezados. Prepare a sua planilha de Excel e ajunte os seus dados com esmero. Evite dizer que "acha que...".

Dados e confiança

Qualquer grande general antes do século XX tomava decisões rápidas no campo de batalha baseado nos rápidos relatórios dos seus subordinados e na sua experiência de guerra. Napoleão, por exemplo, não podia consultar os dados numéricos da batalha para mover a infantaria ou determinar um ataque. Se o fizesse, antes mesmo de terminar a análise, o exército inimigo já o teria capturado. A decisão precisava ser rápida, contando com dados de experiência e intuitivos que não poderiam ser provados rapidamente. O mesmo se dá nas empresas: a fidelidade excessiva aos dados, especialmente quando as fontes não são confiáveis ou a decisão precisa ser rápida, pode afetar o processo decisório negativamente, especialmente nas startups.

No entanto, para você poder utilizar a experiência a fim de argumentar em favor de algo que não pode ser provado rapidamente, é necessário que você seja confiável. Portanto, conquiste a confiança do seu parceiro de negócio ou superior, assim você ampliará o seu espaço de argumentação. Na verdade, esse conselho vale para qualquer organização que lida com dados.

Bem-vindo! Você é chinês agora



Conforme você for adquirindo a confiança dos chineses e eles forem sentido que não há tantas barreiras culturais com você, é bem provável que eles fiquem cada vez mais "chineses" com você, eliminando ainda mais os cuidados que eles adotam para com os estrangeiros. Quando isso aconteceu comigo a primeira vez, eu pensei: "se eu estou correspondendo às expectativas, estamos indo juntos ao karaokê e até almoçando juntos todos os dias, por que eles me tratam de modo tão brusco?". É a velha sensibilidade ocidental... A questão é justamente o contrário do que eu estava pensando, pois o fato de estarem me tratando sem mesuras exageradas indicava justamente que me enxergavam como um igual, sem aquele distanciamento cerimonioso que costumam ter com estrangeiros.

Não é necessário dizer que muitas portas se abrirão se você não for visto como o café-com-leite da brincadeira dentro de uma organização chinesa. Se você observa que está sendo tratado com mais sinceridade, considere isso como uma conquista, e pense em pedir um aumento de salário.